25 janeiro, 2007

O FRACASSO DO AMOR

Foto Nunes de Freitas



Capítulo 13

Eu a andar devagarinho, a caminho da tua cama, e os teus olhos a comerem os meus passos com avidez. Baços e inchados, tal qual dois berlindes gastos de tantas brincadeiras. Os olhos. Os passos são pequenos e temerosos. Vou à espera de tudo mas não me sinto preparado para nada. O castanho comido pelo branco. Uma névoa estranha que se atravessa no teu olhar parado que não me deixa ver para dentro da tua alma.
O silêncio engoliu-me as palavras e não fui capaz. Nem de dizer que te amava nem de te entregar o raspanete que se atravessou na garganta já lá vão tantos anos. Abusas de quase tudo na vida e ele não te perdoa os desvarios. Somos imortais na juventude mas passamos a ser vulneráveis com o acumular dos anos. Já deves saber.
As palavras não saem e tu também não me podes ouvir. Sentes apenas, mas não vês quase nada. O meu rosto na tua face. As tuas lágrimas na minha pele. As minhas palavras entupidas pelo silêncio. Não te disse nada mas falámos tanto naquele instante. Não ouves mas sabes que te quero ao pé de mim. Vivo e fresco outra vez como as alfaces viçosas que vão secando com a tua ausência do quintal. Sentem a tua falta. Do teu carinho. Às vezes sinto ciúme das alfaces. Aos filhos regas menos vezes. O amor não sai das mangueiras mas deve jorrar dos corações, só temos de descobrir onde fica a torneira. E abri-la sem temor. Mas tu sentes-te mais à vontade com as verduras, que já sentem a tua falta.Voltarás? O médico deixa a resposta suspensa num talvez interminável que parece uma frase de mil palavras. Talvez resista... Talvez se safe... Talvez... Tantos ses encerrados numa cama tão pequena e num corpo minúsculo que parece incapaz de resistir. Quantas vezes te quis pedir para não desistires? Hoje, ontem e nos outros dias que já perdi a conta. Não me ouviste. Nunca ouves ninguém. Não me ouviste e agora estás entregue ao destino. Inerte e quase morto uma cama minúscula onde jaz um corpo que parece incapaz de voltar à vida. Voltarás? Melhor ou igual ao que tens sido nos últimos anos? Amargo e desiludido. Ansioso e deprimido. Foste tão doce e tranquilo, e deste nisso de repente.
Voltarás? Esperamos por ti. Apesar de tudo...

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